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Quem tem coragem de ser uma mulher preta?

Você tem?

“Querida Lupita, acho que você tem muita sorte por ter tanto sucesso em Hollywood mesmo sendo tão negra. Eu estava a ponto de comprar o creme Whitenicious da Dencia para clarear minha pele, quando você apareceu no meu mundo e me salvou.”

Esse relato intenso, que me arrepiou, foi trazido a tona na fala da atriz Lupita Nyong’o, através da carta de uma fã, no evento Mulheres Negras, organizado pela revista Essence, em 2014.

Nessa ocasião, Lupita alertava para o uso do creme clareador de pele chamado Whitenicious, criado pela cantora nigeriana Dencia. O que chama mais atenção para o caso, é que o produto foi criado por uma mulher negra. Sim, estamos em conflitos entre nós mesmos.

Assim como esse creme, há outros cremes e procedimentos disponíveis no mercado com a mesma finalidade. Diante disso, surge o incômodo como uma reflexão. Quem quer ser preta? Ou melhor, quanto custa a nós sermos pretas?

Primeiro, vamos entender o quanto o uso desse tipo de produto pode custar fisicamente, psicologicamente e financeiramente a essas pessoas, na maioria das vezes, mulheres. O efeito desses cremes é extremamente agressivo a ponto de escamar e machucar a pele, além de ser necessário o uso contínuo, ou seja, por toda vida. Psicologicamente, o creme clareador (assim como todos os procedimentos com o mesmo fim) vem como um atenuante para a autoestima não construída pela mulher negra. Um corpo que é constantemente subjulgado, subestimado, não desejado – de forma séria -.

Podemos assim entender a importância dada a esse processo como forma de contornar esse desafio da aceitação, mas contornar não é resolver. Nesse caso, surge uma dependência do produto como forma de tentar amenizar os efeitos do racismo. Imagina o prejuízo financeiro a longo prazo.

Esse é um preço grande demais para se pagar por ser preto.

O comportamento dessas pessoas em evitar ser tratada como uma pessoa inferior é um comportamento desesperado de branqueamento e dói ver como que a indústria da beleza se aproveita disso.

Os traumas enfrentados por essas mulheres são tão intensos, a ponto delas preferirem mutilar seus corpos em busca de aceitação. Na balança delas, pôr a saúde em risco é válido com tanto que elas sejam bem vistas e bem tratadas.

O nosso objetivo deve ser sempre de nos aceitarmos e nos sentirmos confortáveis na nossa própria pele, para que, coisas como essas aconteçam cada vez menos. A aceitação vem em primeiro lugar de nós mesmas, e dificilmente (pra não dizer impossível) você vai encontrar ela em farmárcias. Quando essa realidade muda dentro de nós, fica menos doloroso lidar externamente com os efeitos do racismo.

Não se sujeite a encaixar em lugares que não te aceitam. Criar seu próprio lugar é a melhor estratégia para construir uma boa autoestima.

Em tempos que ser preta virou opção, quem tem coragem de ser uma mulher preta? Lanço esse desafio diário para nós.

Recomendo o vídeo “POR QUE OS NEGROS ESTÃO CLAREANDO A PELE?” da Gabi Oliveira, no canal “Gabi de Pretas” que relata um pouco das suas experiências envolvendo a temática.

– por Sany Santana

Sany é arquiteta e trabalha no Tribunal Regional Federal. Mãe de primeira viagem, ao longo dos anos vem acumulando experiência em maternidade e vivência consciente como uma mulher preta. Conheça mais sobre a autora desse texto: Instagram @sany_santanna

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