O cancelamento da mulher na internet e na vida

Todo dia surge uma polêmica na internet, e se por um lado os famosos entenderam que esse é um meio de promoção, por outro, os “telespectadores” se educaram conforme o julgamento livre e desmedido por detrás das telas. Geralmente, alguém é cancelado e o outro envolvido é recompensado com mais trabalhos, mais audiência, mais seguidores… Porém, antes mesmo de identificarmos um alvo, devemos nos questionar o porquê desse comportamento social nada saudável. A cada dia que passa vemos mais pessoas depressivas, com ataques de pânico ou ansiedade, tristes em busca de satisfação pessoal. O que me pergunto é até que ponto essa satisfação pessoal não tem passado pela aprovação social. Estamos em buscar de agradar para que haja uma normalidade coletiva ou estamos fazendo coisas que nos fazem felizes?

Você, mulher, que está lendo esse texto, quantas vezes pensou um bom tempo se postaria uma foto ou não? Quantas vezes deixou de compartilhar algo pois julgariam sua postura como fora do padrão ou do que esperavam de você? Quantas vezes justificou que paga suas contas para que não pensem que a viagem cara, ou a roupa nova, veio por um meio duvidoso? Quantas e quantas vezes nos podamos com medo de desaprovação, do cancelamento? Esse comportamento de constante tensão nos leva ao caminho automático e desanimador da vida, onde a opinião do outro vale mais do que a nossa vivência, os nossos motivos de sermos quem somos e vida que escolhemos viver. Considero que esse é um comportamento destrutivo.

O cancelamento para as pessoas não famosas é tão cruel como pra quem famoso, ele apenas acontece de uma forma mais silenciosa. Fazendo um recorte mais exato nessa problemática, encontramos a mulher como alvo desse julgamento.

Há pouco tempo, vi a notícia de uma mulher que morreu enquanto fazia um procedimento estético (sim, isso é mais recorrente do que gostaríamos de imaginar) e choquem: ela já estava – fisicamente – totalmente dentro do padrão. Talvez você já tenha acompanhado um caso assim e tenha se perguntado “nossa, porque fulana fez esse procedimento estético que acabou a levando à morte? E talvez não tenham se dado conta que essas pessoas podem estar doentes por aceitação. A doença que afeta tanto internamente quanto externamente.
Então pense, qual o mal de alguém se amar como é? Você consegue aceitar uma mulher que se ama e por isso posta sobre si e sobre seu corpo ou prefere ler notícias como essas? O problema é que as pessoas estão preferindo cancelar o próximo, ao invés de ter empatia ou demonstrar apoio.

Não é difícil uma mulher ser criticada pela roupa que usava em uma foto, por postar uma foto de biquíni, pela pose, até pela legenda. A sociedade lê nosso corpo como algo extremamente provocativo e esse senso acaba sendo usado na tentativa de nos desqualificar como profissionais, mães e mulheres. Anos de estudo, dias trabalhando até de madrugada, o esforço diário de cuidar dos filhos e da casa, são facilmente substituídos por “Você não deveria desgastar a sua imagem desse jeito”, “Falo pro seu bem, pois podem achar isso ou aquilo”, “Você é mãe, não deveria postar isso”.
Essas pessoas parecem não perceber tamanha invasão de privacidade e de desgaste que causam.
Antes de querer ser julgador de internet e da vida alheia, devemos entender quem é essa mulher, o quanto ela trabalha, o quanto ela teve que superar até conseguir expor a sua própria imagem (seja do rosto ou do corpo).

Se hoje essa mulher está feliz e compartilhando isso sem o autojulgamento, é porque um longo e doloroso caminho pode ter sido trilhado até chegar no hoje.

O cancelamento é desserviço. O nosso corpo, nossa vida e nossa história são só nossas. Nosso corpo não é um convite, como alimentaram há séculos, e estamos felizes em poder enfim ser livres. Sejamos livres de verdade.

Já passou da hora de cancelar o cancelamento.

– por Sany Santana

Sany é arquiteta e trabalha no Tribunal Regional Federal. Mãe de primeira viagem, ao longo dos anos vem acumulando experiência em maternidade e vivência consciente como uma mulher preta. Conheça mais sobre a autora desse texto: Instagram @sany_santanna