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Orgasmo e o falocentrismo

Apenas 36% das mulheres gozam em uma relação heterossexual

No meu último texto eu falei um pouco sobre o orgasmo de forma geral. Mas precisamos falar também sobre o orgasmo nas relações sexuais com outras pessoas. Um estudo do Departamento de Transtornos Sexuais Dolorosos Femininos da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que 55% das brasileiras cis não têm orgasmos durante o sexo heterossexual. Pesquisa da instituição Prazerela, de 2018, apresentou números ainda mais alarmantes: 74% das mulheres cis gozam com a masturbação, mas apenas 36% atingem o ápice do prazer sexual com parceiros dentro de uma relação heterossexual. Eu acredito que um conjunto de fatores seja responsável por esse cenário. Primeiramente o peso de anos de uma cultura castradora em relação a sexualidade cis feminina. É impossível que a gente não sinta, na prática, os reflexos de toda essa cultura machista e opressora que nos impuseram em relação a nossa liberdade sexual. A sexualidade da mulher sempre foi vista como suja, errada, digna de ser escondida, não vivida e não apreciada. Fomos estimuladas a não nos autoconhecermos fisicamente, a não tocarmos nossos próprios corpos e a não falarmos sobre o nosso prazer, fatores que ajudam a que a gente tenha dificuldade em comunicar ao outro o que nos provoca prazer, o que gostamos e queremos que seja feito. Apenas 43% das entrevistadas conversam abertamente sobre sexo com seus parceiros, segundo a pesquisa da Prazerela.

Outro fator que eu considero pesar nessa situação é o fato de que vivemos sob uma lógica falocêntrica, ou seja, a nossa cultura de prazer e o modo como a gente entende sexo ainda está muito focado no pênis. Nesse contexto, a penetração é vista erroneamente como a principal forma de se ter prazer, sendo que a penetração está em quarto lugar no quesito prazer no sexo, ficando atrás do oral, da estimulação clitoriana e da masturbação. Eu já ouvi mulheres relatando que se sentem menos mulheres por não conseguirem gozar com penetração tamanha é a pressão do sistema machista, patriarcal e falocêntrico em que vivemos. O foco na penetração, como principal prática sexual em uma relação, privilegia apenas o prazer cis masculino, pois o principal órgão de prazer da mulher cis é o clitóris. Inclusive o prazer que sentimos na penetração muitas vezes é um prazer clitoriano, pois o clitóris não é apenas aquela parte externa que conseguimos ver, ele se ramifica internamente em bulbos que abraçam o nosso canal vaginal. E essa parte é pressionada durante a penetração com pênis, dedos e dildos. Freud, há muitos anos atrás, catalogou o orgasmo em dois tipos: o clitoriano e o vaginal, sendo o primeiro o tipo de orgasmo que temos com estimulação diretamente clitoriana e o segundo apenas com penetração, conceito que eu confesso que desgosto. Hoje em dia a ciência já enxerga os dois tipos de orgasmos como clitorianos, apenas com estímulos em lugares diferentes do clitóris. Então é importante o entendimento de que o principal órgão de prazer nas mulheres cis é o clitóris e começar a expandir as práticas sexuais pra que abranjam esse órgão maravilhoso que temos.

Quando falamos de relações sexuais lésbicas (relações naturalmente menos falocêntricas), o número de mulheres cis que alega gozar na maior parte das relações sexuais sobe para 86%. Enquanto 95% dos homens heterossexuais afirmam gozar na maior parte das suas relações sexuais. Isso se mostra como mais um sintoma do fato de que a cultura falocêntrica prejudica o prazer cis feminino nas relações heterossexuais e favorece o prazer cis masculino. Com relação aos homens gays e bissexuais, a porcentagem ficou em 89% e 88%, respectivamente — já as mulheres bissexuais que afirmaram o mesmo foram 66%. De acordo com esses dados, homens cis heterossexuais são, de todos os grupos analisados, os que mais conseguem chegar ao orgasmo com facilidade, mas os que menos conseguem fazer suas parceiras ter o mesmo nível de satisfação sexual. Bom, os dados falam por si só. A minha sugestão de hoje é buscar desconstruir essa ideia falocêntrica de sexo e fazer exercícios exploratórios com seus parceires. Por exemplo: se masturbar na frente de seu parceire mostrando como você gosta de ser tocada, deixar que seu parceire comece a tocar você suavemente e vá variando lugares, velocidades, intensidades e após isso eleger quais foram os seus toques favoritos, dialogar sobre o seu prazer com a pessoa que você se relaciona, enfim, propor práticas a fim de expandir a intimidade sexual entre vocês. Se jogue e aproveite essa máquina de prazer que é o nosso corpo.

– por Jana Torres

Jana é atriz, amante da arte e da cultura, pós-graduanda em sexualidade humana e acredita no poder transformador e político da sexualidade. Está sempre em busca de catarses diárias, adora viagens, tatuagens, chocolates, vinhos, chás e liberdade. Conheça mais sobre a autora desse texto no instagram:@janatorres

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