Vários podem ser os gatilhos para aumentar, ou diminuir, o nosso desejo sexual.
Uma das maiores queixas das mulheres cis em relação a própria sexualidade, principalmente nos casos de mulheres que estão em relacionamentos longos, é a falta de libido. Como eu já citei alguns textos atrás, a nossa libido é multifatorial. Vários podem ser os gatilhos para aumentar, ou diminuir, o nosso desejo sexual. Alguns fatores são em níveis coletivos, como a opressão sexual feminina ou o empoderamento social da sexualidade da mulher. Já outros são em níveis mais individuais, como estresse, saúde mental, questões hormonais, nível de autoconhecimento e etc. A libido é uma pulsão de vida, então tudo que pode interferir na sua pulsão de viver, pode interferir na sua libido.
Em função do machismo estrutural da nossa socidade patriarcal, nós, mulheres cis, temos muita dificuldade em nos percebermos como seres desejantes. Fomos condicionadas a nos exergarmos como o objeto desejado e por esse motivo muitas mulheres cis quando chegam com a queixa de que não se sentem satisfeitas com a frequência sexual dentro dos seus relacionamentos, uma das primeiras frases que é dita é: – é muito ruim não me sentir desejada! Sendo que pouca, ou nenhuma, frequência sexual dentro de um relacionamento pode afetar diretamente o quanto de prazer essa mulher sente, pode afetar o nível de intimidade que ela tem com seu parceire, entre outras coisas. É muito sintomático de uma sociedade em que a mulher não é vista como ser desejante que uma mulher sinta um incomodo maior ao não se sentir desejada do que ao não estar sentindo prazer. Porém, graças ao movimento em prol da libertação sexual da mulher, ao aumento das pautas sobre sexualidade na sociedade e ao estímulo ao autoconhecimento sexual, muitas mulheres têm se atentado à sua própria libido e buscado autonomia em relação ao seu prazer.
Até os anos 2000 acreditava-se que até 50% das mulheres cis sofriam algum tipo de distúrbio da libido e os estudos sobre sexualidade humana da época confirmavam isso. Muito do que sabia-se sobre desejo foi baseado num padrão de excitação cis masculino, ou seja, boa parte da ciência do sexo, até recentemente, era extremamente machista. Porém atualmente os estudos refutam essa ideia e também o estigma sexual da frigidez feminina. Nas últimas décadas, a concepção de como funciona o ciclo de prazer foi modificada pela medicina sexual. Antes, prevalecia a ideia de que esse sistema seguia a ordem linear: desejo, excitação, orgasmo e resolução. Atualmente, leva-se em conta um modelo circular, em que o desejo pode ser responsivo, ou seja, mesmo não existindo uma vontade inicial, um desejo espontâneo, é possível provocá-lo e estimulá-lo durante a experiência sexual enquanto ela já está acontecendo (como experiência sexual eu incluo beijos mais quentes, carícias, toques e beijos pelo corpo e etc. Pois eu, particularmente, considero tudo isso como parte da experiência sexual e não acredito no conceito de preliminares).
Segundo Laurie Mintz, professora de Psicologia da Sexualidade Humana na Universidade da Flórida, “falta de apetite sexual por si só não é mais critério de diagnóstico nenhum”. Anadense Rosemary Basson, diretora do Programa de Medicina Sexual da University of British Columbia, publicou um artigo em 2000 e nele ela destacou que “o desejo é um evento responsivo, não espontâneo”. Ela diz: “A resposta sexual, como o nome sugere, responde a alguma coisa, a estímulos ou sinais sexuais, estejam eles no ambiente ou simplesmente na cabeça de alguém. Memórias e fantasias, por exemplo, ativam a excitação e o desejo”. Basson propôs alguns modelos de resposta sexual. Eles são modelos circulares, nos quais o desejo e a excitação se encontram no mesmo grau, e nosso físico, nosso psicológico e nosso emocional se retroalimentam.
Essa mudança em relação a visão de como o processo de desejo acontece gerou grandes transformações. A psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), afirma: “Ao considerar que a presença do desejo responsivo é válida e, portanto, essa mulher não é disfuncional, houve uma mudança de paradigma muito importante e a redução no número de mulheres que antes eram classificadas como sem desejo”. O desejo por sexo não é mais visto como uma característica pessoal e permanente, mas como um estado transitório, que é multifatorial e depende de estímulos. Pode depender do quão sensível você é aos estímulos provocados, do quanto de autoconhecimento sexual você tem, do nível de intimidade que você sente em relação ao parceire, do nível de relaxamento e entrega na experiência sexual, do quão confortável você se sente em relação ao seu corpo e etc. A dica de hoje é você pensar sobre quais são os seus aceleradores de desejo sexual e pensar em como estimulá-los nas suas vivências sexuais. Quais são suas fantasias? Quais são os pensamentos e situações que mais te provocam tesão? Qual o horário do dia em que você se sente mais relaxade para transar? Depois de descobrir, você pode tentar colocar em prática a aproveitar os benefícios de uma vida sexual mais libidinosa.
– por Jana Torres
Jana é atriz, amante da arte e da cultura, pós-graduanda em sexualidade humana e acredita no poder transformador e político da sexualidade. Está sempre em busca de catarses diárias, adora viagens, tatuagens, chocolates, vinhos, chás e liberdade. Conheça mais sobre a autora desse texto no instagram:@janatorres