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A diminuição do tesão em relações longas

“O desejo flerta com o mistério, com o desconhecido”

Uma das inquietações mais comuns que ouvimos sobre sexualidade em pessoas que estão em relacionamentos longos, sérios e estáveis é sobre a diminuição do desejo sexual ao longo da relação. Relacionamentos afetivos são muito complexos então é impossível generalizar, não existe uma verdade absoluta sobre isso e cada caso é um caso, mas vou tentar abordar aqui alguns dos pontos que eu considero relevantes sobre essa temática.

O início de um relacionamento, quando estamos apaixonades, tende a ser o momento de maior desejo físico-sexual de toda a relação. Existem inúmeros fatores que contribuem para esse cenário. Primeiramente a questão bioquímica da paixão, afinal quando nos apaixonamos recebemos uma série de descargas hormonais que envolvem desde hormônios diretamente sexuais como a testosterona e o estrogênio, a outros hormônios relacionados à sensação de bem estar como a serotonina, a dopamina, a oxitocina, a endorfina e etc. Essa descarga hormonal que acontece na paixão deriva de reações químicas e induz a um maior interesse, e desejo, físico-sexual no objeto da paixão. Com o passar do tempo, em uma relação longa com alguém, essas descargas hormonais diminuem de intensidade, então, até certo ponto, é natural que o tesão também diminua.

Outro sintoma da paixão é a idealização do outro. Essa idealização nos faz admirar profundamente a outra pessoa e nós nos atentamos pouco ao quanto o tesão está diretamente ligado ao nível de admiração que temos pelo parceire. Quando estamos apaixonades tendemos a escolher enxergar apenas o que queremos ver no outro e com o tempo de convivência, e de relação, essa idealização não se sustenta e passamos a enxergar a realidade desconstruída da nossa visão idealizada. O que, muitas vezes, pode diminuir o nosso nível de admiração por aquela pessoa, logo, diminuindo também o nosso tesão. Já uma outra situação também envolvendo a ligação entre o desejo sexual e a admiração acontece quando, de fato, perdemos a nossa admiração pelo nosso parceire por motivos concretos que não envolvem uma antiga idealização. Às vezes, com o tempo, as pessoas dentro de um relacionamento longo se distanciam, param de se esforçar na construção da relação, discutem por motivos que seriam facilmente resolvidos com o diálogo e todo esse processo gera uma saturação. Dessa saturação pode vir uma exaustão seguida da diminuição da admiração pelo outro, e assim, diminuindo também o tesão o dentro da relação. A permanência da dedicação dentro de uma relação não pode ser exclusividade do início. Ninguém quer transar quando não há escuta, compreensão, cuidado e esforço na manutenção do relacionamento.

No podcast da Lasciva Lua sobre tesão e convivência, ela pontuou que a terapeuta Esther Perel diz que o desejo flerta com o mistério, com o desconhecido. Ou seja, a gente tende a desejar aquilo que a gente não tem, visto que muito do que aprendemos socialmente sobre o amor está ligado à sensação de posse. E no começo de um relacionamento, o outro, ainda pouco conhecido por nós, está em um nível de distância que nos provoca a sensação do “não ter”, de querer diminuir essa distância e de conhecer o, até então, desconhecido. Já em relacionamentos muito longos, o oposto acontece. Além de termos a sensação de que já conhecemos tudo sobre aquela pessoa, algumas vezes, existe uma co-dependência que faz com que o casal perca uma parte da sua individualidade, não conseguindo sustentar nem passar um tempo longe do outro. Esse cenário pode ser prejudicial para o tesão pois como a Esther Perel pontua, o desejo nasce no espaço entre você e outro. Nasce quando você consegue olhar para a outra pessoa com uma certa distância. Então também por esse motivo, é muito importante cultivar a nossa individualidade inclusive dentro das nossas relações amorosas.

Podem ser muitas as razões para a diminuição do tesão em relacionamentos longos, então sinto que para além de tomarmos consciência de quais são os motivos que permeiam isso dentro das nossas relações, também pode ser necessário nos responsabilizarmos através do comprometimento com o desejo responsivo (conceito que eu falei um pouco sobre há 3 textos atrás). Em outra parte do podcast a Lasciva Lua diz que: “uma vida erótica não consiste só em uma vida sexual. Uma vida erótica consiste em tudo o que nos alimenta eroticamente”. O que mantém o nosso tesão bem alimentado dentro de uma relação é o nosso comprometimento com essa energia até nos dias em que não transamos com nosso parceire. A rotina pode ser extremamente não afrodisíaca. Então minha sugestão de hoje para casais juntes há um bom tempo é: cultive momentos eróticos e não sexuais sozinhes e com os seus parceires. Olhe nos olhos, tente lembrar de como você enxergava essa pessoa quando se apaixonou por ela, ouça sobre o dia da pessoa com atenção e presença, beije profundamente mais vezes ao dia, faça um carinho inesperado, fale coisas provocantes brincando, toque fisicamente o outro não só na hora do sexo, proponha um encontro mais romântico – mesmo que dentro de casa – com luzes, música e uma bebida que vocês gostem e isso tudo sem a expectativa de chegar a uma experiência sexual, e sim para alimentar o erotismo dentro da relação. A nível individual você pode pensar no que te estimula sexualmente, pode ouvir músicas sensuais, dançar, se conectar com o seu corpo, se masturbar, imaginar e fantasiar, enfim, pensar em situações criativas que funcionem para você, pois somos pessoas diferentes e o que pode ser gostoso para mim, pode não ser para você. Mas eu acredito que a partir dessa mais frequente nutrição do desejo e da possível reconexão que aconteça, pode ser que o tesão volte a ter um espaço maior no relacionamento (lembrando que esse é um comprometimento a dois e os dois precisam estar nesse fluxo e com essa vontade. É sobre dar e receber. Tudo é troca dentro de uma relação).

– por Jana Torres

Jana é atriz, amante da arte e da cultura, pós-graduanda em sexualidade humana e acredita no poder transformador e político da sexualidade. Está sempre em busca de catarses diárias, adora viagens, tatuagens, chocolates, vinhos, chás e liberdade. Conheça mais sobre a autora desse texto no instagram:@janatorres

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