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Você não é o que fizeram com você

Quando você tem tudo para ser uma estatística, e apenas isso.

Pensando bem, eu engrossaria o caldo de várias estatísticas violentas, desde abuso infantil dentro de casa até tentativa de estupro na rua, já adulta e mãe de 3 meninas. Mas hoje quero falar do que fiz com isso.

Quem se aproxima para me conhecer de perto e conhecer minha história muitas vezes me pergunta de onde tiro força pra sorrir, e eu, apenas sorrio. Eu não faço força pra sorrir, talvez, meu sorriso seja a coisa mais verdadeira e calma que saia de mim, mesmo que por vezes eu tenha a minha humanidade testada.

Ser um corpo livre no mundo nos exige um alto custo, e não estou falando de dinheiro. Se esse corpo livre for um corpo ‘padrão’, feminino e negro, em uma sociedade que aprendeu que esse corpo pode ser sexualizado, esse custo mental pode ser imensamente desastroso. O meu corpo, por muito tempo, foi destituído de humanidade e visto apenas como um corpo, um pedaço de carne.

Como lidar com isso? Como aprender a ser humana em uma sociedade que te ensina o contrário sobre você mesma o tempo inteiro?

Eu, na minha luta contra o processo de desumanização do meu corpo e dos corpos negros de uma forma geral, eu ousei sentir. Parece simples mas, desde muito nova fui ensinada a lidar com muitas coisas que eu ‘não podia’… ‘não chora que vão te ver como fraca’, ‘estuda o dobro pra ter a metade’, ‘não entra na piscina que vai molhar seu cabelo (e a chapinha sairia e todo mundo descobriria meu cabelo real, já pensou o horror). Só nessas 3 frases eu aprendi a não sentir tristeza, não me sentir pertencente e a não ser livre. Imagina a infinidade de outras coisas que aprendemos conscientemente ou não sobre nós mesmas?

É preciso nomear e dar um novo sentido a tudo o que vivemos. Tudo que chamamos de incômodo, de desconforto, de sensação estranha… Aquele momento que pensamos “isso está errado mas eu ainda não sei o porquê”, tudo isso tem nome, e tudo isso doeu porque feriu você e seus valores. A questão é que não nos ensinam isso desde cedo, sobre valores, sobre a importância de nos conhecermos bem.

Cresci, me conheço um pouco melhor a cada dia, e foi entendendo cada passo dado no passado que construí e construo quem sou hoje. Me permito sentir, me deixo ser humana, respeito minhas alegrias e minhas lágrimas com a mesma reverência, construo e honro minha história, entrego minha essência, não permito que invadam meu espaço e dou nome para tudo o que sinto.

Humanidade é o mínimo pra algumas pessoas, elas nascem com esse direito, outras tem que conquistar e cuidar dessa humanidade todos os dias. Expressar essa humanidade no mundo nos fortalece, nos faz perceber que não é pessoal, é estrutural… E não é só conosco.

Eu? Sorrio, canto, danço, choro, brigo, amo, falho, abraço, me envolvo.

Eu? Me escrevo e me compartilho!

Eu? Eu conto minha história, e assim, tiro o direito dos outros contarem como lhes convém.

E você? Qual a sua decisão sobre as coisas que te fizeram?

– por Camila lima.

Camila, nasceu mulher e preta sem saber bem o que isso significava. É mãe de 3 meninas completamente diferentes e isso a fez mergulhar na diversidade desse Universo feminino. Sofreu várias violências na vida e enquanto se curava delas, acolhia também as dores de outras mulheres. Não por uma busca ou escolha, mas aceitou abraçar a causa feminina. Instagram: @camilalima.on

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